CURIOSIDADES SOBRE A SEMANA SANTA
Verdades e mitos
 

Muita gente tem curiosidade em saber o porque seus avós costumam mencionar tantas "proibições" na semana santa, como não coma isso, não pule, não assovie, enfim. Mas afinal, de onde tanto "temor" ? Leia essa história para entender melhor.


 

A Semana Santa

 

Quando chegava a Semana Santa numa cidadezinha no Nordeste há alguns anos passados, tudo se transformava em fé, passando seus habitantes a viver em função da Igreja e das cerimônias próprias da época. A vida normal de sempre parava, fazendo um hiato em Cristo.

Logo no Domingo de Ramos uma atmosfera mística envolvia toda a cidade, fazendo com que as tardes ficassem ainda mais longas e mais tristes. As velhas beatas com seus longos vestidos e as filhas-de-Maria vestidas de branco, mangas compridas, golas arredondadas, com seus terços de alvas contas, andavam rua abaixo e rua acima, como se caminhassem sobre nuvens, de tão impregnadas de fé que estavam. Até a velha sanfona de oito baixos não se fazia mais ouvir, noite a dentro, na rua dos Três Côcos, onde Zefa de Oto, Maria Bôca de Ouro e Zezinha Sarará - que também eram filhas de Deus - interrompiam o mercadejar de seus corpos roídos pela sífilis em homenagem a Nosso Senhor que, simbolicamente, seria mais outra vez crucificado para salvar a humanidade pecadora. Talvez até mesmo a lembrança dos dois ladrões companheiro de Cristo no Calvário fizesse com que os comerciantes do lugar pesassem mais direitamente suas mercadorias, sem roubar nos quilos de bacalhau da Noruega e de peixe seco vindo não sei de onde em sacos de aniagem. O cinema fechava suas portas, suspendendo o seriado de Tom Mix e de Buck Jones (onde estão?) exibido às quartas-feiras, com seu Antônio Lulu dando corda na velha e fanhosa vitrola gemendo antigas valsas vienenses, recomeçando a funcionar no Domingo de Páscoa, com A Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, quando rudes homens e mulheres do campo choravam com pena do Salvador, molhando seus lenços enormes, entrecortando as valsas com fortes assoados de nariz. Na Matriz, os altares eram cobertos com panos roxos ou pretos e as flores eram retiradas dos jarros de prata. Na missa-de-ramos, o padre, com sua cabeça branquinha, benzia os fragmentos de folhas de coqueiro para distribuí-los depois da missa. À tardinha, tinha lugar a procissão-do-encontro da imagem de Jesus Cristo com a cruz às costas, conduzida pelo Apostolado da Oração e pelas associações de São José e da Sagrada Família, com a imagem de Nossa Senhora da Soledade acompanhada pela Pia União das Filhas de Maria... O encontro sempre se dava numa encruzilhada da cidade, quando o povo se ajoelhava e Nosso Senhor caía (baixava-se o andor conduzido pelo Prefeito, Juiz de Direito e outros grandes do lugar) três vezes, simbolizando as quedas que deu na subida do Calvário. Depois, o vigário fazia uma prática, explicando ao povo que enchia as ruas o sentido cristão do encontro.

Na segunda, terça e quarta-feira, realizavam-se as confissões (sempre vinha um frade do Recife para ajudar o vigário) depois da Via Sacra.

A partir da quarta-feira, o sino, responsável pela divisão do dia em hora da missa, hora do almoço e hora de dormir, deixava de tocar, sendo substituído pela matraca que seu Ademário fazia soar, lugubremente, no alto da torre da Igreja.

Na madrugada de quarta para a quinta-feira, os jovens se reuniam para serrar os velhos, entre risos, tiros de espingarda, carreiras da polícia e banhos de urina e fezes dos que não suportavam a tradição da brincadeira.

Na quinta-feira, era celebrada a Missa de Páscoa e, às cinco da tarde, tinha lugar a cerimônia do lava-pés. As mães sempre faziam questão para que seus filhos fizessem parte da cerimônia. Os meninos tinham que tomar um banho bem tomado, botar perfume nos pés e quem faltasse corria o risco de morrer antes da quaresma seguinte. Após o lava-pés, o Santíssimo ficava exposto durante toda a noite e a madrugada seguinte, guardado, em turnos de uma hora, pelas pessoas importantes do lugar, enfrentando as duras estreitas tábuas de ajoelhar dos bancos da matriz.

Na sexta-feira era rezada a missa de pré-santificados na qual o padre comungava a hóstia exposta na noite anterior. Ao meio-dia, a imagem do Senhor Morto ficava exposta à veneração dos fiéis. Às quinze horas, a Via Sacra. Logo em seguida, era realizada a procissão do Senhor Morto, cujo esquife era conduzido pelas autoridades, tendo à frente o coronel Otaviano da Mota Silveira, envergando sua bonita farda da Guarda Nacional, com espada e tudo. Depois de percorrer todas as ruas da cidade, o Senhor Morto ficava em exposição na Igreja, para ser beijado por homens, mulheres e crianças, quando depositavam a seus pés plantas aromáticas (alecrim, malva-rosa, etc). Depois de beijar o Senhor Morto, cada um deixava certa importância em dinheiro, retirando uma moeda de vintém de cobre para guardar, a fim de que nunca mais lhe faltassem os meios de subsistência. Quando era meia-noite, o padre mandava fechar a Igreja e, com a ajuda do sacristão e familiares, ia contar o apurado da beijação, sobre o qual eram feitos os mais otimistas prognósticos.

Na madrugada da sexta para o sábado, havia a queimação-do-Judas, boneco feito com roupas velhas, contendo bombas que explodiam quando queimado. Era hábito o roubo do judas por pessoas de outra rua e, para que tal não acontecesse, havia a guarda do boneco encarregada de protegê-lo até que chegasse a hora de ser queimado. No testamento de judas, entravam na distribuição de bens defeitos físicos, a esposa, as filhas bonitas e a política, que domina e separa os habitantes das cidades do interior, também tomava parte na brincadeira. Às vezes, havia briga e até morte.

No sábado, às oito horas, era celebrada a missa da Aleluia. O povo da cidade e dos sítios enchia a igreja de tal forma que a respiração dos que se encontravam no seu recinto se tornava impossível. Sempre alguma mulher tinha uma oura. O povo ficava preocupado. Se o padre não encontrasse três gotinhas de sangue no livrão dele - a Aleluia, era sinal de que o mundo ia se acabar. Finalmente, quando o padre rezava a Glória, as filhas de Maria cantavam, os sinos tornavam a tocar, as imagens e os altares eram despidos de seus panos roxos e o povo, com certo alívio, se alegrava. No pátio da Matriz, os meninos participavam da alegria, gritando:

"Aleluia! Aleluia!

Carne no prato

E farinha na cuia!"

No Domingo de Páscoa, pela madrugada, saía a procissão da Ressurreição, depois da qual era celebrada a Santa Missa. À noite, havia baile no Centro de Cultura, a sanfona recomeçava a tocar na rua dos Três Cocos, seu Bernardino continuava a roubar no peso de suas mercadorias, o cinema reabria suas portas e tudo voltava à vida pacata e rotineira de uma pequena cidade do interior nordestino há alguns anos passados.

ALIMENTAÇÃO

Antigamente, não se comia carne durante toda a Semana Santa. Depois, com a evolução dos costumes, é que a Igreja foi diminuindo não somente os dias de abstinência como também os de jejum. Era quando seu Bernardino, que era muito mais comerciante do que mesmo católico, arriscava um palpite com certa reserva:

"Eu acho que esse negócio de não comer carne durante a Semana Santa foi invençãozinha de São Pedro, que era pescador..."

Nos açudes das fazendas eram organizadas pescarias de tarrafas que começavam de madrugada. As traíras, os carás, as curimatãs e as piabas obedeciam à seguinte divisão: 1/3 para o pescador e 2/3 para o dono do açude.

Nos poços do rio - das Moças e do Cotovelo - eram pegados gordos muçus que, preparados com molho de coco, são uma delícia.

Bem que quase todos observavam os preceitos da Semana Santa, com relação à alimentação. Não se podia comer doce nem chupar cana, pois durante a semana Nosso Senhor estava bebendo fel. Era uma falta de caridade de respeito e de tudo.

CRENDICES

Os ramos distribuídos pelo vigário no Domingo de Ramos, depois de secos eram queimados com a finalidade de amainar os temporais, os relâmpagos e os trovões. Uma série de coisas não deveriam ser feitas durante toda a Semana Santa por serem consideradas pecaminosas:

Olhar-se ao espelho, usar rouge, batom e qualquer perfume, por serem sinais de vaidade.

Tomar banho. Vendo o próprio corpo nu, alguém poderia se lembrar de outras coisas e pecar por pensamentos.

Namorar, cantar, dançar, assobiar, por serem sinais de alegria e Nosso Senhor passou toda a semana sofrendo.

Manter relações sexuais durante a Semana Santa era o maior de todos os pecados, principalmente na Sexta-feira da Paixão. O homem que assim procedesse, solteiro ou casado, ficaria impotente para o resto da vida e a mulher ficaria incapacitada para gerar filhos. E se nesse dia um filho fosse gerado, ele nascia com o Cão-no-couro e seria infeliz até o fim de seus dias.

Beber, embriagar-se, faria com que a pessoa nunca mais recuperasse o juízo.


 

11 de Novembro de 2013

Quando nasceram os seminários

 

Cidade do Vaticano (RV) – O dia 4 de dezembro de 2013 marca o 450º aniversário do encerramento do Concílio de Trento (1545-1563). No âmbito desta importante recorrência, outra data merece ser recordada: 15 de julho de 1563, dia em que os Bispos reunidos em Trento, aprovaram por unanimidade o Decreto Cum adolescentium Aetas, que recomendava a criação de seminários em cada diocese. Uma medida de relevância na época, que dotava a Igreja de um instrumento para o cuidado das vocações ao sacerdócio ordenado, ainda hoje um elemento fundamental e imprescindível. Parece útil, portanto, reviver os acontecimentos e os personagens que determinaram o nascimento dos seminários, na certeza de que a reflexão sobre o nosso passado possa oferecer subsídios importantes para a Igreja de hoje. 
 
Sem exagero, pode-se afirmar com segurança que o Concílio de Trento representou uma das viradas mais importantes na história da Igreja moderna. Isto porque, recolhendo e canalizando os impulsos positivos provenientes de vários setores do mundo católico de uma forma concreta e sistemática – mesmo entre numerosas dificuldades e inconvenientes – passou-se a aspirar à uma reforma da Igreja e a uma renovação geral, o que acabou ativando uma sucessiva e gradual formação de um modelo eclesial destinado a perdurar nos séculos. Mas a nenhum sujeito eclesial mais do que ao clero, foi dirigida a urgência reformadora dos padres tridentinos. Esta peculiar atenção respondia a uma convicção - que era também uma espera - particularmente difundida: uma virada moral e espiritual para toda a Igreja somente seria realmente possível, a partir de uma mudança radical que investisse, antes de tudo, nos pastores, isto é, nos bispos e nos sacerdotes. 
 
Como observou o grande historiador do Concílio de Trento sobre a revolução protestante, Hubert Jedin, "a crise do cisma foi, em última análise, a crise da formação sacerdotal". Instituindo os seminários, o Concílio de Trento deu à Igreja um importante legado, sobre o qual, não por acaso, insistirão todas as subseqüentes Relationes ad limina postridentine, e que será repetida antes e após os dois Concílios contemporâneos. O seminário não é uma relíquia do passado. O mesmo Concílio Vaticano II reafirmou a sua necessidade, como um lugar onde "toda a educação dos alunos deve ter o objetivo de formar verdadeiros pastores de almas, seguindo o exemplo de nosso Senhor Jesus Cristo, mestre, sacerdote e pastor." 
 
Há 450 anos de distância, o seminário aparece ainda como um instrumento indispensável no cuidado e na promoção das vocações ao sacerdócio. Desde então, o que é natural, ocorreram muitas mudanças, tanto na sociedade como na família e na Igreja. A Igreja, em particular, percorreu um longo caminho, no curso do qual teve que se atualizar várias vezes, na fidelidade ao coração de Cristo, os modelos de formação ao sacerdócio às exigências dos contextos em constante mudança. Um caminho semelhante deverá ser constantemente percorrido. Isto é particularmente verdadeiro para o nosso tempo, marcado pela grande rapidez de mudanças culturais, sociais e antropológicas. Se é verdade, portanto, que o seminário, enquanto tal, continua a ser uma estrutura e um recurso essencial para a vida da Igreja, é também verdade que a reflexão sobre os velhos e novos problemas de formação sacerdotal - em particular, a disciplina interna e as formas de interação entre o Seminário e a vida diocesana e civil - é e continuará a ser necessária e urgente, no consciência de que a verdadeira reforma da Igreja deve partir sempre de dentro: dos sacerdotes e dos consagrados, por isso, também por aqueles que nos Seminários se preparam para estar "à altura dos tempos". 
 
(Vincenzo Bertolone - Osservatore Romano\JE)

Texto proveniente da página
do site da Rádio Vaticano